sexta-feira, 24 de maio de 2013

MAIS DO QUE MIL PALAVRAS

Enviada por: Irene Santos

Lei Áurea - 1888- Miguel Cañizares
Imagine um estudante do ensino fundamental que vá pesquisar na internet imagens relativas à abolição da escravatura no Brasil. Quando digitar num mecanismo de busca as palavras-chave abolição e escravatura, surgirá uma página com centenas de imagens, as mais diversas e supostamente relativas ao tema. Terá de tudo.
Seguem alguns  exemplos: 
- O quadro do pintor espanhol Cañizares que se mudou para o Brasil em 1887 e que retratou a princesa Isabel como  autêntica santinha , com direito a uma entourage de  anjos , aristocratas e cabeças coroadas .
A princesa leva  o documento da lei Áurea na mão esquerda e com a direita segura uma cruz com as inscrições: Redenção, Deus, Caridade.
Três níveis abaixo da princesa estão representados os principais interessados na lei: duas mulheres e uma criança, negras , uma mulher branca (?) ajoelhadas e levantando os braços em adoração à redentora que as ignora solenemente. Mesmo sendo as únicas personagens falantes e em movimento na cena , são também ignoradas pelos outros componentes do quadro. Não há dúvida que o pintor espanhol com um ano de Brasil já conseguira captar o espírito da abolição.

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Abolição - Raimundo Cela - 1938
- Outro exemplo é o painel  criado por Raimundo Cela para o Palácio do Governo do Ceará . Cela pretendia simbolizar a emoção causada pela redenção dos escravos, no Ceará, em 1884, quatro anos antes da assinatura da Lei Áurea. O que se vê são  negros humilhados, cabisbaixos, prostrados diante da figura da liberdade que teria chegado de jangada, quebrando correntes. O quadro  mostra um tipo de apartheid: os pretos chegam rastejantes pela esquerda enquanto os caras-pálidas são agrupados, parecendo  temerosos, à direita. Representam os abolicionistas e entre eles um único moreninho que é José do Patrocinio.
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No rótulo ao lado, um clássico da  hipocrisia racial  brasileira, onde um negro recém liberto festeja com um bandeirante(!) a promulgação da lei Áurea. Não traz correntes mas sua condição de escravizado é evidenciada pelos pés descalços.

Era moda, no século XIX, o uso de rótulos impressos em litografia usados para  marcar embalagens de  produtos e, ao mesmo tempo, divulgar idéias elevadas.



De todas, a ilustração mais fantasiosa  é a que parece uma  festa no canavial onde, no primeiro plano, um negro em andrajos festeja a chegada da notícia(!!!). No segundo plano um grupo agitado. Não se consegue saber se estão festejando ou se a agitação é causada pela  chegada de um provável capataz (à esquerda) empunhando um chicote.

São centenas de imagens que os buscadores de internet  fornecem instantaneamente a partir de palavras-chaves como escravidão, abolição, Brasil. Todas procuram passar a idéia que a lei da abolição representou a "liberdade outorgada" aos pretos unicamente pela  benevolência caridosa do governo. Todas omitem a participação dos negros nas lutas abolicionistas reforçando o estereótipo do escravo conformado com o cativeiro. 
No que diz respeito a Porto Alegre, a professora Maria Angélica Zubaran  em artigo publicado na revista Fênix, demonstra que: 
" a narrativa dominante sobre a abolição em Porto Alegre ocultou a participação de abolicionistas afrodescendentes e de sociedades negras e produziu uma invenção branca da liberdade negra." (1)
O que vale para os textos, vale para as imagens. Se seguirmos os links das imagens saberemos que foram publicadas em sites voltados para estudantes de primeiro e segundo graus,  fornecendo subsídios para suas pesquisas sobre o 13 de maio!!!

 É de arrepiar!
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1. A invenção branca da liberdade negra...


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