terça-feira, 12 de março de 2013

O OLHAR DO ESTRANHO

Enviada por: Irene Santos, fotógrafa

Foto de familia feita em estúdio nos anos 1930. Acervo José Domingos A da Silva
Após anos de pesquisas, a fotografia foi inventada e reconhecida pela primeira vez em 1826, na França. Era um processo complicado e o produto final uma imagem gravada sobre placa de vidro. As pesquisas continuaram e a nova técnica tornou-se uma coqueluche na Europa e nas Américas na segunda metade do século XIX principalmente quando as imagens puderam ser gravadas em papel

Fotografia obtida na década de 1880 mostra negros escravizados resgatados pela marinha inglesa perto do litoral de Zanzibar
Cartão de visita mostrando uma familia brasileira do século XIX
com suas "negras de estimação"

Os temas principais dos fotógrafos eram paisagens, registros de obras públicas e tipos humanos. Principalmente os exóticos como por exemplo os negros e os indígenas.
A moda chegou até o Brasil, onde eram produzidas fotografias de negros, escravizados, libertos ou nascidos livres para virarem cartões postais e cartões de visita.



Feitas sob encomenda dos ricaços escravocratas os cartões postais eram uma forma de alardear o poder econômico das familias.


Foto:Mulher com liteira e carregadores descalços - foto de autor desconhecido (¹)



As fotos de negros também procuravam demonstrar ao resto do mundo o quanto era cordial a escravidão brasileira e, após a abolição, a convivência de negros e brancos.  
Para agradar a freguesia, os fotógrafos criavam em seus estúdios, cenas dessa "amena convivência" ,das mães pretas com crianças brincando montadas no seu lombo, ou alegres mucamas carregando produtos para vender na rua , trabalhadores do campo em momentos de descanso...
Por mais esforçados que fossem os fotógrafos no seu afã de passar a idéia da harmonia e da passividade, não havia como disfarçar o desconforto e a humilhação dos modelos negros, a escancarada falsidade das cenas.(²)
Mesmo após o término oficial do tráfico, os negros continuaram a ser olhados como criaturas muito exóticas. Na Europa suas fotografias eram usada para comprovar teses estapafúrdias da antropologia social recém surgida misturando pseudo-ciência com espetáculo de circo.
Mulheres negras da África do Sul, com suas nádegas proeminentes, eram exibidas como atrações no final do século XIX. A mais famosa foi Saartje Baartman, a "Venus Hotentote", exibida em Londres e París .
Foto: Louis Rousseau / Museo de Quai Branly
Até o início do século 20 eram comuns exposições de tribos inteiras de africanos . Na foto ao lado, mulheres da etnia Achanti, de Gana, em exibição no jardim zoológico de L'Acclimation, París, em 1903.
  
Foto: Grupo de Pesquisas Achac, Coleção Particular

Em Porto Alegre, a fotografia chegou com o imigrante italiano Luiz Terragno em 1853 mais dedicado às paisagens urbanas do que aos tipos populares. Nos anos seguintes chegariam os Irmãos Ferrari , Virgilio Calegari, Colembush.
Herr Colembush foi um negociante alemão bem sucedido que cultivava o hobby de fotografar tipos populares que andavam nas ruas. São dele as fotos de velhos negros libertos e abandonados à própria sorte.
O fotógrafo montou a cena na rua, utilizando balaios vazios e denunciando a exótica miséria dos recém libertos. Seu olhar europeu não demonstra a minima simpatia pelos modelos fotografados.


Quem já foi retratista sabe que o olhar dos modelos costuma refletir o olhar do fotógrafo. Então, se gentileza gera gentileza, o olhar solidário do fotógrafo é o que costuma produzir a imagem que estampa a confiança do modelo. Mas não é isso que se nota nesta foto dos libertos estivadores.Beatriz Marocco (³), faz uma análise interessante desta conhecidíssima foto dos Irmãos Ferrari:
"Há elementos que nos revelam o que herdaram da escravidão e a pobreza que ganharam com a liberdade: as roupas em desalinho, os adereços improvisados que os modelos levam na cabeça, que lembram os turbantes trazidos originalmente das tribos africanas, a fisionomia invariavelmente sombria devido à nostalgia do lugar de origem,o pedestal que remete ao tronco de madeira em que os escravos eram supliciados e o olhar enviesado do negro sentado à nossa direita que,entre todos do grupo, parece uma figura deslocada."

Virgilio Calegari, outro italiano,era contemporâneo e mais que isso, concorrente dos Irmãos Ferrari. Disputavam a tapa a atenção da clientela de luxo, ávida pelos retratos de estudio cuidadosamente produzidos. Damas da sociedade , políticos, gente rica em geral, faziam fila para ter em seus álbuns de familias fotografias que se tornavam também simbolo de status.

No que se refere aos modelos negros, era o fotógrafo que ia atrás deles. Calegari, famoso por sua idéias libertárias, lançava sobre os exóticos ex-escravos o mesmo olhar espantado de seus contemporâneos europeus. A foto ao lado, de Germano Manoel da Motta, fazia parte de um ensaio fotográfico dedicado a tipos populares da cidade. O nome do ensaio - Galeria Grotesca - explicava bem o olhar de Calegari sobre os nativos brasileiros.

A foto ao lado, de autor desconhecido da mesma forma mantém a idéia de exotismo caricatural que só mudou quando nos anos 1930 os negros começaram a ir, por iniciativa própria, aos estúdios fotográficos.







Saiba mais consultando:

(¹)No estudio do fotógrafo : representação e auto-representação de negros livres, forros e escravos no Brasil da segunda metade do seculo XIX - Sandra Sofia Machado Koutsoukos - Ed. Unicamp - São Paulo - 2010


(³)O cotidiano dos negros no exterior dos jornais de Porto Alegre,sinais de fotojornalismo no século XIX - Beatriz Marocco, Universidade do Vale do Rio dos Sinos

3 comentários:

  1. Sou de 1940 era uma época bem melhor,raros negros tinham maquinas fotografias,mas para uma boa foto íamos
    direto no fotógrafo.Tenho fotos de meus familiares já dos anos bem mais para atras com poses discretas e sempre com fotógrafos que tinham sensibilidade para com eles, deixando-os a vontade e com cenários muito bons.
    Ao contrario da falta de respeito com os negros de outras épocas, pôs libertação como vi na reportagem.Pessoas assustadas e com poses como se fossem uns pobres coitados. Parabéns por esta bela informação! Abraço Neusa

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  2. Pois é, Neusa, o bom é que agora com a fotografia digital mais acessível
    cada familia vai fazendo seu próprio acervo com mais facilidade.

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  3. Em primeiro lugar que bom que temos este espaço!Estou adorando os temas,
    e gosto de contribuir com meus singelos comentários. È verdade o que escrevestes acima que podemos ter nosso próprio acervo,seria bem interessante.Grande abraço.

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