terça-feira, 4 de junho de 2013

FINA ESTAMPA

Enviada por: Irene Santos, fotógrafa
Grafitti em muro da Cidade Baixa parece evocar a elegância dos antigos moradores dos "territórios negros" de Porto Alegre. Autoria desconhecida.
Em 2010, aos 106 anos, dona Zulmira Leopoldino ainda lembrava bem dos bailes de antigamente:
"As pessoas andavam bem vestidas. Nos bailes, não iam de tênis como agora. Antigamente não era essa desarrumação. Os homens todos de fatiota, as mulheres faziam roupas que sentavam bem no corpo, nada muito apertado. Meia de seda para quem podia comprar. Quem não podia, não ia ao baile..."

Moças vestidas para um baile dos
Prediletos. Acervo Consuelo Cardoso

Hemetério de Barros, no seu livro Memórias de um Carnavalesco, conta que em 1939,  aos 17 anos, começou a frequentar as festas, aniversários e bailes nos salões do bloco carnavalesco Os Prediletos. 

"No meu primeiro baile de gala as moças trajavam vestidos longos de cor branca ou rosa. Os rapazes de traje completo, azul marinho ou preto e gravata de tope. 



Mandei fazer um traje preto, sapato de verniz.Estava elegante mesmo"

Alipio Dias,diretor do Salão do Ruy, ao centro, celebra seu aniversário com baile de gala. Acervo Cezar Dias.
Hemetério continua narrando a aventura/desventura do seu primeiro baile:
"Quando ingressei no salão o baile já estava animadíssimo, cheio de moças lindas. A maravilhosa orquestra de Paulo Coelho executava um samba canção e o crooner era meu primo irmão, Heitor Barros, que na época tinçha enorme cartaz como cantor. Eu estava inquieto, procurando avistar no meio de tantas moças bonitas a minha namorada Maria Helena. Ela estava linda, deslumbrante em seu vestido branco. 
Quando a orquestra parou de tocar, emocionado, atravessei o salão ao encontro de Maria Helena. Ela me olhava com um sorriso largo em seus lábios rubros. Como ela está linda - pensava eu ao me aproximar 

Baile do Cupido, na Colonia Africana nos anos 1930. Acervo C Dias
Então, aconteceu o inusitado: escorreguei e caí violentamente de costas. Pobre traseiro, como doía! Fiquei imóvel e alguém me levantou do salão escorregadio.Todos os que assistiam a esse cômico tombo começaram a rir ruidosamente. Fiquei tão envergonhado que não procurei mais a namorada."
Baile das Estações, da Sociedade Prontidão nos anos 1930. Acervo C. Cardoso

Relatos como este, contando do cuidado com o trajar  e do comportamento elegante nas festas dos territórios negros costumavam ficar restritos aos participantes  e aos integrantes das comunidades de bairros como o Areal da Baronesa e a Colônia Africana. Jornais e revistas da cidade não noticiavam nada de positivo que se relacionasse às zonas dos negros. Lá uma vez ou outra, surgia um cronista disposto a dar pitacos irritados e preconceituosos. Rivadavia de Souza em artigo sobre o carnaval dos anos 1940 comenta: 
"Bom dinheiro gastam as empregadinhas com seus blocos: porque aparecem sempre cobertas de sêda, com sapatos de lamé e vistosos balangandans. O povo as segue por toda a parte. E termina à porta dos bailes, transformado em "penetra". Cada qual está apaixonado por uma das integrantes do cordão. E o presidente "dá duro" em cima dos pretendentes: não entra ninguém."

Parece que não passava pela cabeça do cronista cara-pálida que um baile de negros pudesse ser organizado e que fossem exigidos convites na hora de entrar. Como costumava acontecer nas festas da Sociedade Germânia ou do Clube Gondoleiros, por exemplo...

2 comentários:

  1. Cláudio Souza Dos Santos CULTUAR, RESGATAR A HISTÓRIA E INFLUÊNCIA DO POVO NEGRO NA FORMAÇÃO DA SOCIEDADE GAÚCHA E, EM PARTICULAR DA PORTO ALEGRENSE, NÃO É APENAS UMA QUESTÃO DE ORGULHO ÉTNICO, E MUITO MENOS POR MOTIVAÇÃO SEGREGACIONISTA.MAS É DE VITAL IMPORTÂNCIA, POIS COMO TODOS OS GRUPOS, FORMADORES DO POVO GAÚCHO FAZ, E, COMO NOSSO POETA E QUILOMBOLA NEY LOPES TÃO BEM MENCIONOU EM SEU SAMBA "EFUN OGUEDÊ" POVO QUE NÃO PRESERVA, NÃO CULTUA SUAS RAÍZES, ACABA POR VIRAR PÓ. ESTÁ CERTO QUE TODOS SEREMOS REDUZIDOS A ESTA CONDIÇÃO, QUANDO MORRERMOS, MAS O PIOR É VIRAR PÓ EM VIDA! ESTA É MINHA MODESTA OPINIÃO!

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  2. Pois é, amigo, nossa história, nós é que temos que contar...

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