quarta-feira, 23 de janeiro de 2013

Auto declaração




Texto extraido do livro  A Volta do Papo Roxo 
do coronel da Brigada Militar Alberto Rosa Rodrigues

 
 
"Lá pelos "Idos de Março" de 1943,
eu fui incluído nas fileiras da Força e
até o ano de 1951, aconteceu um fato
inusitado.Foi uma sucessão de
acontecimentos que contando
até parece um "causo"
ou uma "estória", pois foi um
verdadeiro" acredite se quiser ".
 
No entanto, acredite se quiser, aconteceu mesmo:
Após ter sido incluído fui - como todos os que se iniciaram como recruta -
devidamente identificado. E lá me fui à presença do sargento identificador.
Eis o que aconteceu:
- Como soldado, em1943, entre outros detalhes, fui classificado com a cútis
preta e cabelos carapinhos.
Quando eu me formei cabo em 10 de março de 1945 continuei com a mesma
classificação identificatória.
- Ao ser promovido sargento em 1946, já a coisa mudou: a minha cútis passou para
mista e os cabelos somente pretos.
- Quando, em 1948, ingressei no C F 0, outra alteração: passei a ter cútis parda
escura
e os cabelos castanhos.(?)
- Depois de declarado Aspirante à Oficial, em 1951, passei por outra mudança:
a minha cútis ficou parda clara e os cabelos castanhos crespos. (?)
Alguns anos mais tarde, já como 20 tenente, e guardando ainda uma curiosidade
incontida, comentei com o então Capitão Nelson Amoreli Viana - um dos grandes amigos
e um dos grandes mestres na minha formação - da forma inusitada como eu
vinha mudando de cor.
E o velho e saudoso Amoreli me deu a seguinte explicação:
- ROSA, o que aconteceu contigo tem a seguinte explicação: o identificador
na Brigada sempre foi um Sargento e quando tu chegaste para incluir, ele te
olhou e deve ter pensado.
Que baita negrão ".

E não deu outra, te identificou segundo as normas vigentes.

Quanto tu apareceste como cabo ele ainda era teu superior e continuou com
a mesma
linha de raciocínio e, em conseqüência, com a mesma identificação.
Quando tu apareceste como sargento, ele ao te ver, deve ter pensado,
lá com seus botões,
"Pô, esse negrão já é meu colega, vou ter que dar uma caprichada".
E foi assim que de preto passaste para misto.
Quando te apresentaste como aluno-oficial (cadete) ele deve ter matutado.
“Pô esse negrão em breve vai ser meu superior estou precisando dar outra
caprichada; e foi quando passaste a ser pardo escuro e os teus cabelos
mudaram para castanho.
E quando tu apareceste como Aspirante a Oficial, ele deve ter se rendido às evidências:
“Mas bá ... que coisa séria, este negrão já é meu superior e agora, mais do que nunca,
eu vou ter que dar a maior caprichada da paróquia”.
E a partir daí passaste a ser pardo claro com cabelos castanhos crespos.
Mas não te surpreende porque se um dia chegares a coronel, vão te classificar
como branco.


Graças a Deus que, na Brigada (Militar), esta última hipótese jamais aconteceu.
Mas no ano de 1970, eu já era Coronel da Reserva, quando fui renovar a minha
carteira de motorista
e para minha surpresa verifiquei que a funcionária que expediu a
dita carteira, r
egistrou a minha cor como branca.
Voltei na Delegacia de Trânsito e reclamei daquela anormalidade
- Moça, eu acho que a senhora se enganou colocando a minha cor como branca.
- É mas eu acho que o senhor não é preto. Disse ela.
Aí foi a minha vez de argumentar contra aquela anomalia.
- Mas a senhora já parou para pensar nas conseqüências futuras?
Eu agora não uso mais farda, só ando de trajes civis. A senhora
imagine a seguinte situação: eu dirigindo em um lugar distante daqui, onde eu não
seja nada conhecido, e ser atacado por um policial rodoviário e o dito agente solicitar
os meus documentos e no momento em que for verificar a papelada notar que,
na minha carteira, está registrada a cor branca.
  É quase certo que o policial
vai usar - e com toda a razão - o seguinte raciocínio:
este negrão com toda a certeza roubou este carro e os documentos

( Naquele tempo não se usava foto na carteira de habilitação).
E é aí, minha senhora, é justamente aí que eu vou me ralar, porque não vai ter
- Santo que me proteja ... Senhora, por favor, mude a minha cútis nesta carteira.
E ela, mesmo contrariada, mudou. "

RODRIGUES, Alberto Rosa  A VOLTA DO PAPO ROXO : crônicas, casos e causos. Porto Alegre; Metrópole, 2006

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