terça-feira, 19 de fevereiro de 2013

Engulindo à seco

Enviada por: Irene Santos, fotógrafa
Instantâneo de Geraldo Mori obtido  em 1976, em Porto Alegre para 
matéria da revista Realidade intitulada "Existe preconceito de côr no Brasil" 




















Em 1943, o farmacêutico João Cabral Alves fundou em Porto Alegre a União dos Homens de Cor/UHC  que, por cerca de 20 anos, desenvolveu  atividades educacionais, prestou assistência de saúde e se preocupou com a preparação profissional e intelectual dos seus associados e com outras questões básicas como o direito à moradia, sem contudo buscar um enfrentamento direto com a estrutura social vigente.A preocupação em não criar constrangimentos era tanta que João Alves caracterizava a Associação como apolítica, aceitando em seu seio homens de todos os credos políticos e religiosos. E também homens de todas as cores (!) inclusive brancos que estejam ligados aos morenos(!!) pelo sangue e que tenham sincera simpatia(!!!) pela causa.”
A conciliação tem sido a premissa de todo o movimento negro criado desde o tempo imediato à “abolição” da cidadania de 1888. Essa premissa em  evitar qualquer confronto  direto não tem reciprocidade no outro lado. A classe dominante e branca da sociedade brasileira, sempre que pode, discrimina os negros sem a menor cerimônia. Aliás, muitos  caras pálidas, mesmo que não pertençam à  classe dominante, se consideram portadores de uma espécie de   "direito divino"  de  incomodar seus irmãos mais escuros. É suficiente olhar os jornais diários ou as notícias postadas na internet para comprovar que essas atitudes acontecem a todo o momento.
Há uns 10 dias um episódio foi bastante divulgado repercutindo nas redes sociais: Um menino de 11 anos teria sido vítima de preconceito racial em uma farmácia no Recreio dos Bandeirantes/RJ. De acordo com a avó do menino, enquanto ela pagava as compras, um funcionário do estabelecimento se aproximou e colocou as mãos sobre os ombros dele e perguntou à operadora de caixa, por duas vezes, se ele estava incomodando.
A avó reclamou, “rodou a baiana” e até foi apoiada por outros clientes da farmácia. O mais surpreendente foi a reação do guri: “_ Vó, fica quieta, deixa prá lá; é por isso que eu não gosto de ser preto”
Menino, você ainda não viu nada. Prepare-se porque o melhor está por vir.
Enquanto for pequeno, vão empurrar, passar na sua frente na fila, usar a força para lhe mostrar seu lugar. Você vai chorar de raiva como desta vez mas aos poucos irá se acostumando.
Com o tempo aprenderá a engolir os sapos em silêncio e a identificar o preconceito de longe.
Na universidade, se você for cotista, vai passar a maior parte do tempo tendo de provar que não é idiota.
Quando você se tornar homem, não vai mais se surpreender   ao andar na rua e perceber alguém trocando de calçada.
Quando for escolher um carro, o vendedor vai dizer que aquele modelo é muito caro.
Se você deixar o cabelo crescer e usá-lo solto, vão lhe perguntar se  costuma lavá-lo. Quando você se tornar um profissional liberal não vai mais se surpreender quando entrarem no seu escritório/consultório e perguntarem onde está o doutor. Quando souberem que é você, vão continuar a tratá-lo por “tu” e você pode desistir: nunca vai ser um “senhor”.
Quando for entrando num restaurante, vão querer que você estacione o carro de um bacana.
Seu quotidiano vai sempre ser repleto de todos os clichês do racismo cordial.
E quando  o estresse diário fizer a melanina fugir dos seus  cabelos antes dos quarenta anos sempre vai encontrar alguém que vai bater no seu ombro e soltar a piadinha sem graça: Bah, negro quando fica de cabelo branco... tá velho...

Por isso, guri, aguente firme.E não tenha medo de ser preto. Quando a gente reencarna neste mundo e desta cor, é porque veio mesmo para lutar. E às vezes, vencer. 
OBS:Para saber mais sobre a UHC, consulte o artigo da professora Joselina da Silva,
A União dos Homens de Cor:aspectos do movimento negro dos anos 40 e 50 Estudos afro-asiáticos, Rio de Janeiro/2003

3 comentários:

  1. É verdade, essa é uma realidade tão corriqueira, que até mesmos nossos irmãos deixam passar batido, e o pior, não tiram dessas experiências, ensinamentos e motivação para seu próprio crescimento, enquanto indivíduo. Há umas três semanas, quando descia do aptº em que moro e abria o portão externo, uma senhora branca que olhava o prédio, simplesmente perguntou-me se eu era o zelador do prédio.De pronto respondi-lhe, não, moro aqui e sou proprietário do meu apartamento, ao que ela replicou, sem me pedir desculpas: é que estou procurando aptº prá comprar, o senhor não sabe de algum? Retruquei-lhe, os jornais têm classificados, foi assim que encontrei o meu.É uma luta constante e temos,sim, que alertar nossos pequenos e, assim ajudá-los prá essa guerra constante e interminável.

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  2. Boa resposta a tua. É por aí mesmo, a gente vai levando...

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  3. É isso aí Irene. O racismo cordial é bem pior que o enfrentamento direto, pois muitas vezes não identificamos o agressor. Nesses tempos no super Zaffari do M. Deus eu percebi dois seguranças muito preocupados com dois meninos negros, de mais ou menos doze anos. Os guris estavam bem vestidos, tênis caros, bonés, eram gordinhos, com toda pinta de serem filhos de classe média, mas os guardiões somente viam a sua epiderme. Ou seja, suspeitos.
    Depois querem que fiquemos quietos.
    Parabéns pela qualidade dos materiais.

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