domingo, 10 de agosto de 2014

O BESOURO QUE ENGOLIA SAPOS

O Pai, a Mãe, o irmão e eu



Hoje sonhei com um sapo que tentava engolir um besouro.
Ou o sapo era pequeno ou o besouro muito grande, porque os dois, no sonho, tinham o mesmo tamanho.
Resultado: o sapo ficou com fome e o besouro escapou lépido, voando, e veio pousar no meu ombro. 



O besouro, segundo velhas regras da ciência, não deveria voar. Só que, ignorando essa fatalidade, o besouro voa.
Uma ousadia da natureza, sua carapaça dura e pesada esconde um "equipamento"  que o faz decolar como uma asa delta e planar aproveitando as correntes de ar.
Exceção que revoga as leis da aerodinâmica, não há sapo que o impeça de voar.


Hoje, quando acordei do sonho, lembrei do meu pai. 

Eu só me dei conta de que ele era negro aos oito anos de idade. Vinha voltando da escola conversando com uma outra guriazinha colega de aula. Meu pai cruzou por nós e apressado, me fez um afago, não parou para conversar e seguiu ligeiro.
A guria olhou surpresa para mim e perguntou: _ Quem é? 
Respondi:_ Meu pai...
E ela: _ Mas ele é branco !!??!!...
Como assim? pensei ainda mais surpresa. Ele que era a minha referência de negro... Tínhamos na parede o retrato da minha avó, negra de  não deixar dúvidas . O pai do meu pai há de ter sido um predador que jamais se deu a conhecer... Meu pai que só tinha a referência materna afirmou com orgulho a sua negritude, por toda a sua vida. 

Meu pai foi funcionário público. Autodidata, lia tudo o que encontrava pela frente. Sabia tudo. Viveu sempre entre políticos e burocratas que o consultavam sobre ortografia, gramática, leis municipais. Meu pai os ajudava a escrever discursos...
Ainda assim, na hora de reconhecerem os méritos, era posto de lado. Chegou a ser acusado de coisas que jamais faria. E provou com a tenacidade dos justos, a sua integridade.


Cena do filme O Mordomo da Casa Branca
Quando vi o filme "O Mordomo" também lembrei do meu pai. Como o personagem, ele teve muitos chefes poderosos e enfrentou  preconceitos para manter seu trabalho.
Calmo, não levantava a voz. Nem comigo que, na arrogância da adolescência, cobrava dele posições mais agressivas. Solenemente ele ignorava minhas provocações. No seu silêncio, me dizia que não dava para  ser de outro jeito. 




Custei a entender porque ele chorava tanto a cada conquista minha.
Chorou quando aprendi a ler. Quando passei no exame de admissão ao ginásio. Quando comecei o curso de professora. Quando entrei na universidade. Quando consegui o primeiro emprego, num banco. 
Naqueles momentos, como todo pai besouro,  ele sabia o quanto tinha valido a pena engolir tantos sapos ...

--------------------------------------------------

Nenhum comentário:

Postar um comentário